quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Hotel Glória: patrimônio histórico destruído

Quanto vale o patrimônio histórico do nosso estado?
Faça esta pergunta a qualquer cidadão fluminense e ele responderá: muito.
Agora faça esta mesma pergunta ao Sérgio Cabral, Eduardo Paes e Eike Batista. A resposta será: a amizade.
Loucura? Não sei. Sinceramente já não sei mais o que pensar. Estou desanimando de verdade.
Tantas denúncias, tantos absurdos e nada. Literalmente NADA.
É só pesquisarmos um pouco na internet e percebemos a sujeira do governo Cabral. Meu Deus, a que ponto chegamos?
Explico: depois de tantos absurdos denunciados aqui e em tantos outros sites, agora alo sobre o Hotel Glória.
Sou carioca apenas de certidão, pois morei muitos anos em São Paulo e depois me mudei para o interior do estado, mas sei que a história do Hotel se confunde com a própria história do Rio.
Quando o hotel foi vendido para o Eike Batista, fiquei preocupada, mas não imaginava que o hotel seria destroçado da maneira que foi.
Resumindo, um grande desrespeito à memória da cidade do Rio de Janeiro.
Painéis da década de 1960 pintados à mão pelo artista português João Martins foram marretados sem a menor piedade. Isso mesmo, marretados. Completamente destruídos.
Será que era impossível retirar cuidadosamente esses painéis (que eram de azulejo), colocar em um suporte e, ao menos, mandar para a família do pintor? Ou então mantê-los no único quarto do hotel que, segundo Eike, foi preservado?
Segue cópia da carta da filha do pintor enviada à Assessoria de Imprensa do Hotel:

Meu pai, o artista plástico João Martins, sempre disse: “Minha filha, dinheiro não significa cultura”.

Ontem, diante da triste notícia que recebi, tive certeza disso. A assessoria do milionário Eike Batista, que comprou o Hotel Glória, no Rio, admitiu (após uma nota que saiu na coluna Victor Hugo, do jornal A GAZETA, no dia 25/01/2011, informando que a família Martins estava atrás de notícias das obras) que, realmente, os seis painéis de azulejos pintados à mão pelo meu pai, em 1960, a pedido do senhor Eduardo Tapajós, não “puderam ser mantidos no Hotel Glória”. Por e-mail, a assessoria alega que “por estarem chumbados em paredes de concreto não puderam ser removidos”. Portanto, a obra de arte foi, simplesmente, destruída.

Guardo, até hoje, o cartão-postal que meu pai escreveu para minha mãe, quando estava colocando os painéis no Hotel Glória. Ainda novo, recém-chegado de Portugal, dizia: “Estou sendo tratado como rei, não se preocupe”.

No começo de 2008, estive pela última vez no Hotel Glória, visitando o Salão Rugendas, e todos os painéis estavam lá, preservados. Impecáveis. Como mostram as fotos. Os painéis pintados à mão – e queimados no forno – pelo meu pai na cerâmica da qual era dono em São Paulo, entre as décadas de 1960 e 1980 – conhecida como Atelier Artístico Martins, no Morumbi – ficaram no Hotel Glória por mais de 50 anos.

Minha alma dói diante de tanta falta de sensibilidade (até porque, desde o começo das negociações para a venda do imóvel, entrei em contato várias vezes com as assessorias, não só do Hotel Glória, mas também do barco Pink Fleet, que pertence ao milionário. Inclusive escrevi um e-mail para o próprio Eike Batista.

Caso tivessem me dado retorno, certamente o destino dos painéis seria outro. Custo a acreditar que as obras não pudessem ser removidas (tenho certeza de que se meu pai estivesse vivo, certamente saberia como retirá-las das colunas, até porque era um mestre nessa e em outras artes).

Ontem (31/01/2011), saiu mais uma nota na coluna Victor Hugo informando sobre a destruição dos painéis. Fico aqui a imaginar uma marreta quebrando tudo, sem piedade.

Trajetória

Seria difícil, em poucas linhas, contar a história de meu pai, um português que veio de Coimbra, para o Brasil, em 1954, e que já nasceu com o dom das artes. O que posso dizer é que durante as décadas de 1960 e 1980 ele fez vários trabalhos, principalmente em São Paulo, para a sociedade paulistana, incluindo Juscelino kubitschek, Ulisses Guimarães, Olavo Setúbal, o playboy Baby Pignatari – que na época era casado com a princesa Ira de Furstenberg -, e muitos outros. Também trabalhou um tempo com Burle Marx, além de ter trabalhos em outros lugares do Brasil. Também foi diretor artístico da cerâmica Ornato, em Vitória, e da cerâmica Eliane, em Criciúma, onde deixou centenas de trabalhos.

Meu pai não era, com certeza, um empresário, tanto que tudo que ganhou perdeu. Tinha alma de artista. Ele gostava mesmo era de se trancar e fazer arte (cerâmica, pintura em telas, esculturas, entre outras). No final da vida, era só o que fazia. Mas, já desiludido com a desvalorização da arte, deixou uma carta, onde comunicava aos filhos que todas as obras feitas por ele nos últimos anos não deveriam ser vendidas ou doadas, mas permanecer com os cinco herdeiros.

Por isso, hoje, meu pequeno apartamento parece uma galeria de arte (nem tenho onde colocar tantas obras). Mas, pelo menos, elas estão aqui, preservadas. Na verdade, tem uma frase que certa vez meu pai me disse que resume bem sua alma de artista:

“Minha querida quando vendo uma obra, é como se estivesse vendendo um filho”. Alguém assim, vamos concordar, jamais saberia mensurar em cifrões o seu trabalho. Era apenas pura inspiração. Arte pela arte.

Os painéis do Hotel Glória eram apenas uma parte do acervo de mestre João Martins – que, por ironia do destino, tem muitas obras assinadas como João Ninguém (em mais um momento de pura inspiração). E eu estou em busca de todas elas. Peço, gentilmente, que as pessoas que tiverem obras dele, por favor, entrem em contato comigo. Quero apenas as fotos para documentá-las. E caso não as queiram mais, gostaria de ficar com elas. O que não quero é que tenham o mesmo destino dado aos painéis do Hotel Glória. E talvez, num futuro, colocar à disposição numa fundação.

Quero agradecer imensamente a jornalista Claudia Feliz, que descobriu toda essa história através de uma mensagem minha no Facebook. Ela identificou a importância de publicar uma nota, sem a qual eu jamais saberia o trágico destino dado aos painéis do Hotel Gloria.

Atenciosamente
Rachel Martins

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